Existem dias que ficam marcados na alma como se tivessem sido desenhados com luz. Para mim, um desses dias foi quando levei minha avó ao estádio pela primeira vez — e saímos de lá campeões. Não foi apenas uma vitória do nosso time. Foi a consagração de uma história que atravessou gerações, feita de rádio ligado na cozinha, de camisas dobradas com carinho e de conversas sobre futebol ao som do café coado.
Minha avó sempre teve uma paixão silenciosa, mas profunda, pelo futebol. Era do tipo que conhecia a escalação inteira de cor e dava palpite certeiro no intervalo. Cresci ouvindo as histórias dela sobre craques do passado e jogões que ela acompanhava pelo radinho de pilha, com o coração batendo mais forte a cada gol narrado. Foi com ela que aprendi que o futebol vai muito além das quatro linhas — é afeto, é memória, é identidade.
Naquela semana, o nosso time estava prestes a disputar uma final que poderia encerrar um jejum de títulos que já durava anos. O país parecia parar diante da expectativa, mas pra mim, havia algo ainda mais importante do que o jogo: realizar o sonho da minha avó de ver o time do coração ao vivo, no estádio. Mal sabíamos nós que viveríamos juntas uma das maiores emoções das nossas vidas.
A Relação com Minha Avó e o Futebol
Minha paixão pelo futebol não nasceu em uma arquibancada lotada, nem em um campo de terra batida. Nasceu na sala da minha avó, entre uma poltrona antiga e o cheiro de bolo saindo do forno. Era ali, nos domingos à tarde, que tudo começava: a televisão no volume máximo, a mão dela no meu ombro, e aquele grito de “goooool” que parecia estremecer a casa inteira.
Ela era mais do que uma torcedora. Era daquelas que colecionava recortes de jornal com escalações e tabelas de campeonatos, que sabia o nome do massagista do time e que chorava com as derrotas como se perdesse um pedaço da própria história. Meu amor pelo clube surgiu quase por osmose, como quem aprende a respirar ao lado de alguém que vive aquilo intensamente.
Lembro de quando eu era pequeno e ela me enrolava numa bandeira do time como se fosse um cobertor. A gente ouvia os jogos no radinho de pilha porque “traria mais sorte”, segundo ela. E quando o time ganhava, era festa: pipoca, abraço apertado e aquele sorriso dela que iluminava qualquer placar.
Com o tempo, percebi que nosso elo com o futebol ia muito além do campo. Era o que nos unia nos silêncios, nos domingos cinzentos, nas perdas da vida. Enquanto o mundo mudava lá fora, dentro daquela casa, nosso time continuava sendo a ponte entre duas gerações — a dela, cheia de histórias, e a minha, cheia de sonhos.
A Decisão de Levá-la ao Estádio
Quando nosso time se classificou para a final, com um golaço no último minuto da semifinal, eu soube na hora: aquela era a nossa chance. Não apenas de conquistar um título histórico, mas de realizar um sonho antigo da minha avó — ver o clube do coração jogando, ali, bem diante dos próprios olhos. Ela sempre dizia que seu maior arrependimento era nunca ter pisado num estádio. Aquilo me bateu forte. Eu precisava fazer acontecer.
O jogo era especial por muitos motivos. Além de decidir um campeonato que não víamos há décadas, seria a despedida de um ídolo que ela admirava desde os tempos de juventude. Era o tipo de noite que se transforma em lenda — e que eu queria viver com ela ao meu lado.
Mas a decisão não foi simples. Ela já estava com 81 anos, andava com certa dificuldade, e o deslocamento até o estádio poderia ser cansativo. Tive medo. Medo de que fosse demais, de que algo desse errado. Mas quem conhece minha avó sabe: quando ela quer, ninguém segura. E bastou eu sugerir para ela dizer, com os olhos marejados e firmes:
— “Se for pra ver o Flamengo ser campeão, eu vou até de cadeira de rodas.”
Nos dias que antecederam o jogo, a ansiedade era quase palpável. Eu cuidei de tudo: transporte por aplicativo, ingresso em cadeira numerada, apoio para escadas. Ela preparou sua camisa antiga, lavada com carinho, e colocou o radinho na bolsa “só por garantia”. A emoção já era grande antes mesmo de a bola rolar.
E eu? Estava dividido entre a euforia de compartilhar aquilo com ela e o receio de que algo pudesse estragar o momento. Mas lá no fundo, eu sabia: o que estávamos prestes a viver muito além de um jogo. Era sobre presença, legado e amor. Era sobre transformar um desejo antigo em memória eterna.
O Clima do Estádio e os Olhos Dela
Chegamos cedo, com o sol ainda se despedindo no horizonte, tingindo o céu de tons alaranjados que parecem fazer parte da festa. Já do lado de fora do estádio, dava pra sentir a pulsação da torcida — tambores, fogos, bandeiras tremulando como ondas de emoção. Era como entrar em outro mundo, onde tudo vibra, canta e vive por um só propósito: o amor pelo time.
Segurei a mão da minha avó com firmeza enquanto seguíamos entre as pessoas. Ela estava em silêncio, mas seus olhos denunciavam tudo: curiosidade, surpresa, encantamento. Era como se cada passo fosse um capítulo novo na história dela com o futebol. E quando atravessamos o túnel de acesso às numeradas e ela viu o campo pela primeira vez… ela parou. Literalmente parou. Ficou ali, imóvel por alguns segundos, com a boca entreaberta e os olhos marejados.
— “É ainda mais bonito do que eu imaginava…” — murmurou, sem tirar os olhos daquele gramado verde vibrante cercado por milhares de corações batendo no mesmo ritmo.
Nos sentamos e ela não desgrudava o olhar. A cada canto da torcida, ela tentava acompanhar, batia palmas no ritmo, olhava ao redor como se quisesse memorizar cada rosto, cada bandeira, cada som. Quando os jogadores entraram em campo, ela levou a mão ao peito como quem segura a alma pra não sair pela boca. Vibrou com cada ataque, prendeu a respiração nos lances perigosos, e quando o juiz não marcava falta, ela reclamava como uma torcedora de arquibancada veterana. Era como se ela sempre tivesse pertencido àquele lugar.
Nos momentos de tensão, ela apertava minha mão. Nos momentos de festa, ela me abraçava. E eu só conseguia olhar pra ela e pensar no quanto aquele instante era precioso. Ali, entre gritos e canções, entre fumaça colorida e olhares marejados, minha avó se tornava parte da história viva do nosso time — e eu, testemunha de um dos momentos mais lindos da minha vida.
O Jogo: 90 Minutos de Emoção
A bola rolou e, com ela, o tempo parecia desacelerar. O estádio pulsava como um coração gigante, cada batida marcada pelos cantos da torcida, que não paravam um segundo sequer. Minha avó, com o cachecol do time enrolado no pescoço, vivia cada lance como se fosse o último. E, de certa forma, era mesmo: o último jogo da temporada, a última chance de levantar a taça, o último capítulo de uma história que esperava por esse desfecho há anos.
O primeiro tempo foi tenso. O adversário era duro na marcação, dominava o meio de campo e, para nosso desespero, abriu o placar aos 28 minutos com um chute indefensável no ângulo. O silêncio tomou conta do estádio por um segundo — e minha avó soltou um “ih…” baixinho, como quem já viu aquele filme antes. Mas em seguida, ela olhou pra mim, apertou minha mão e disse:
— “Calma. Esse time não desiste fácil.”
Veio o intervalo, e com ele a esperança renovada. A torcida cantava ainda mais alto, empurrando o time com a alma. Quando voltamos para o segundo tempo, parecia que estávamos em outro jogo. Aos 12 minutos, veio o empate: um cruzamento milimétrico, um cabeceio certeiro e a explosão da arquibancada. Minha avó levantou com dificuldade, mas aplaudiu com força, os olhos brilhando de emoção.
A virada, ah… a virada veio como um sonho. Faltavam apenas cinco minutos para o fim. Escanteio a nosso favor. A torcida inteira de pé, mãos juntas como em oração. A bola foi alçada na área, bateu, rebateu, sobrou na entrada da pequena área e… gol! Um chute seco, forte, que balançou a rede e fez o estádio explodir. Gritos, abraços, lágrimas. Eu virei pra minha avó e ela chorava. Não um choro triste — era alegria pura, legítima, daquelas que só o futebol consegue provocar. Nos abraçamos forte. Era como se o tempo parasse ali.
O apito final foi um hino. Foi gente se ajoelhando, se abraçando com desconhecidos, bandeiras tremulando como se quisessem tocar o céu. E ali, no meio de tudo, estava minha avó, sorrindo com os olhos molhados, aplaudindo o time que ela amou por uma vida inteira. Pela primeira vez no estádio. Pela primeira vez campeã, de verdade.
Melhores Momentos da Final do Campeonato Carioca 2019: Flamengo 2 x 0 Vasco
Assista aos melhores momentos da partida que garantiu o título ao Flamengo:
Flamengo 2 x 0 Vasco – Melhores Momentos – Final Carioca 2019
O Abraço e o Título: Um Momento para Sempre
No instante em que o juiz levou o apito à boca e decretou o fim da partida, um segundo silêncio se fez dentro de mim — o tipo de silêncio que antecede uma tempestade de sentimentos. Então, sem pensar, virei-me para ela. E ela já estava me olhando.
Não foi preciso dizer nada. Nos abraçamos.
Foi um abraço longo, apertado, daqueles que parecem juntar passado e presente num só gesto. Ela tremia um pouco, e eu senti o rosto dela encostar no meu, quente, molhado de lágrimas. “Obrigada, meu filho”, ela sussurrou, quase sem voz. Mas naquele sussurro moravam décadas de sonhos, de esperas, de domingos de futebol na TV, de narradores no rádio, de vitórias comemoradas à distância.
Ali, naquele abraço, não existia mais o estádio, a multidão, a gritaria ao nosso redor. Existia apenas eu e ela — neto e avó — unidos por uma paixão que atravessou o tempo. E naquele momento, eu entendi: aquele título não era só do nosso time. Era dela. Era nosso.
O troféu levantado em campo, os jogadores se jogando no gramado, os fogos estourando no céu… tudo isso era o pano de fundo para uma vitória muito mais íntima: a de ter proporcionado a ela aquele momento. A de ter selado, com um abraço, uma história feita de amor, de futebol e de presença.
Porque, no fim das contas, a taça ergue-se por poucos minutos, mas um abraço como aquele… dura para sempre.
Reflexões Pós-Jogo
Os dias passaram, mas aquele domingo no Maracanã ficou em nós como tatuagem emocional. Minha avó não parava de falar do jogo. Ligava pras amigas, mostrava as fotos, repetia os gols com a empolgação de quem voltou a ter 20 anos. O campeonato terminou, os noticiários mudaram de assunto — mas dentro de nós, aquele jogo nunca acabou.
Para minha avó, foi como ganhar um novo capítulo na própria história. Ela passou a contar para todo mundo, com orgulho nos olhos e a camisa do time no corpo, sobre “aquele dia em que foi ao estádio e viu a virada com os próprios olhos”. O brilho que aquele momento trouxe ficou impresso no jeito dela falar, na leveza com que enfrentava os dias, como se tivesse vivido algo que a completou por dentro. Até suas dores pareceram diminuir depois daquilo. Como se o coração, tão cheio de emoção, tivesse encontrado mais força para continuar batendo bonito.
Pra mim, ficou a certeza de que o futebol é muito mais do que resultado. Nunca mais assisti a uma partida da mesma forma. É ferramenta de afeto, de memória e de conexão verdadeira. Cada vez que vejo o Flamengo entrar em campo, lembro – me do olhar da minha avó naquele dia, daquele abraço no apito final valeu mais que qualquer gol. Aprendi que as melhores vitórias da vida nem sempre têm taças, os campeonatos passam, os times mudam, os jogadores vão embora. — às vezes, os abraços que damos em quem amamos, e as mãos entrelaçadas na arquibancada, esses ficam pra sempre.
Desde então, nunca mais assisti a um jogo da mesma forma. Cada partida carrega agora o daquele jogo. Cada vez que o time entra em campo, me vem à mente o sorriso dela, o “obrigada” sussurrado no meio da multidão, a emoção de ter dividido com ela algo tão simples — e, ao mesmo tempo, tão grandioso.
Esse é o poder do futebol. Ele não só nos une, mas eterniza momentos. E naquele dia, saímos campeões, sim — mas muito além das quatro linhas. Saímos vitoriosos naquilo que realmente importa: a vida compartilhada, o amor vivido e a memória construída juntos.
Considerações do Rocha
O futebol é, sim, um esporte. Mas antes de tudo, ele é uma experiência humana — feita de sentimentos, lembranças e conexões que resistem ao tempo. Ele ultrapassa estatísticas e tabelas. Ele vive no grito da arquibancada, no silêncio emocionado de um abraço, no olhar brilhante de quem, mesmo com os cabelos brancos, vibra como criança ao ver a bola rolar.
Aquele dia em que levei minha avó ao estádio foi mais do que uma final de campeonato. Foi a consagração de uma história de amor: dela com o time, nossa um com o outro e, juntos, com o futebol. Um presente que a vida nos deu. E que a memória, felizmente, jamais vai deixar apagar.
Sinto uma gratidão imensa por ter vivido isso com ela. Pela oportunidade de proporcionar algo tão simples, mas tão poderoso. E por ter aprendido que as maiores emoções do futebol não estão apenas no campo, mas nas pessoas que o vivem com a alma.
E você? Qual é a sua história? Quem esteve ao seu lado no jogo que te marcou para sempre? Que momento do futebol vive aí dentro de você, esperando para ser lembrado, contado, celebrado?
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Porque no fundo, todo mundo tem um dia especial no futebol. E às vezes, tudo o que a gente precisa é se lembrar dele — pra reviver, pra sorrir, e pra entender que, no jogo da vida, esses momentos são os verdadeiros campeonatos que ganhamos.
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